RAZÕES PARA CRIAÇÃO DE UM MUSEU EM TEÓFILO OTONI


Márcio Achtschin
Mestre em História Social
A Região do Vale do Mucuri justifica a criação de um museu a começar pelo perfil do seu fundador. Teófilo Benedicto Ottoni, no século XIX, soube traduzir como poucos um sentimento de brasilidade. Foi uma vida tão marcante que Teófilo Ottoni já suscitou mais de uma dúzia de biografias.

Filho primogênito de Jorge e Rosália, Teófilo nasceu na Vila do Príncipe, Minas Gerais, atual cidade do Serro, em 27 de novembro de 1807. Desde cedo, influenciado pela estreita relação da família com a política, já tinha enraizado os ideais liberais que o acompanhariam por toda sua trajetória de homem público. Após uma passagem na Academia da Marinha, no Rio de Janeiro, fundou em 1830, na sua cidade natal, o jornal “Sentinela do Serro”, porta-voz de suas idéias patriotas e republicanas. Eleito em 1835 a deputado na primeira Assembléia legislativa da província de Minas, serviu em duas legislaturas. Em 1838, já estava atuando como deputado federal. Com a antecipação e posse de D. Pedro II, Ottoni lutou em 1842 contra o fechamento da Câmara, de maioria liberal. Liderou então, em Minas Gerais a Revolução Liberal, onde foi derrotado pelo então Barão de Caxias em Santa Luzia. Após 18 meses de prisão, Teófilo Ottoni se distanciou temporariamente da política para colocar na prática o que pregava: o projeto agora era o desenvolvimento do nordeste mineiro.

Prosperando no comércio com a firma Ottoni & Cia., fundou em 1847 a Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri, sendo lançadas em 1852 quatro mil ações, totalizando um capital de 1200 contos, tendo na família Ottoni os principais acionistas. Objetivando abrir um caminho mais curto entre o Jequitinhonha e os grandes centros comerciais, a Companhia pretendia pelas matas fechadas do Mucuri reerguer a vida econômica de Minas Novas, Serro, Diamantina. É neste empreendimento que vai construir a primeira estrada de rodagem do Brasil, com 27 léguas e meia, ligando o porto de Santa Clara até Filadélfia, fundada por ele. O liberal do Serro também marcou seu pioneirismo na relação pacifista com o indígena, até então tratado como inimigo da civilização a ser eliminado. Esta empreitada acaba não sendo um sucesso econômico e a Companhia do Mucuri é encampada pelo governo em 1860. Mas a região já estava habitada, sendo que Ottoni deixa marcas que jamais se apagarão. Tanto que, Filadélfia, ao ser elevada à categoria de cidade em 1878, recebeu o nome do seu fundador, cumprindo seu destino de grande centro regional.

Com o fim da epopéia do Mucuri, Teófilo Ottoni foi eleito em 1860 para a Câmara de Deputados. Mostrou mais uma vez seu sentimento patriótico quando, em 1861, fez um intenso movimento popular em defesa do Brasil contra as pretensões imperialistas inglesas na famosa “Questão Christie”. A partir de 1859, apareceu por várias vezes na lista tríplice para o Senado, que dependia da escolha de D. Pedro II. Somente na quinta vez é indicado para o senado pelo imperador. Já neste tempo com a saúde abalada, Ottoni não tem tempo para assinar em 1870 o Manifesto Republicano de Itu, falecendo um ano antes. Em 1960, com grande festa, o corpo de Teófilo Ottoni foi trasladado do Rio de Janeiro até a sua antiga Filadélfia.

Se são nos momentos difíceis que o Brasil encontra em Minas Gerais seu porto seguro, Teófilo Otoni, como Tiradentes, foram responsáveis pela construção deste ideário de liberdade e democracia desejado por todos os brasileiros.

Outro grande marco regional é a estrada Santa Clara. A primeira estrada de rodagem do interior do Brasil foi construída no vale do Mucuri e tinha como ponto final a rua Direita, atual avenida Getúlio Vargas, principal via da cidade de Teófilo Otoni.

A estrada Santa Clara foi a grande obra da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri, empresa criada por Teófilo Benedito Ottoni, responsável pela ocupação e povoamento do vale do Mucuri. Ao criar a Companhia, a intenção de Ottoni era diminuir o percurso entre as cidades do Jequitinhonha e os grandes centros comerciais, principalmente o Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Baseado nos estudos de Victor Renault, a previsão era que o rio Mucuri fosse todo navegável. Porém, Teófilo Ottoni não confirmou os estudos de Renault e foi obrigado a abrir 180 quilômetros de estrada em mata densa.

Esta estrada foi feita por braços de brasileiros livres, escravos nacionais e africanos, chineses e europeus. Concluída em 1857, tornou-se a principal via de locomoção da região. Ao longo da estrada, foram criados povoados, pontos de tropeiros, grandes e pequenas propriedades. Concomitantemente, foram surgindo as mais ricas e variadas formas de representações culturais. Porém, com o aparecimento da estrada de Ferro Bahia e Minas, no final do século XIX, a Santa Clara foi minguando. Ao longo dos anos, diversos trechos desapareceram, a estrada deixou de ser referência, sua história se perdendo no tempo.

Outra estrada, porém ferroviária, vai marcar a história da região. Inaugurada oficialmente em 1881, chegou a Teófilo Otoni em 1898. A Estrada de Ferro Bahia e Minas assumiu um papel determinante no crescimento regional, direcionando a expansão e o surgimento de cidades e distritos, como Nanuque, Carlos Chagas, Ladainha, Poté, Pedro Versiani, Crispim Jacques, dentre outras. É marcante a expansão da produção cafeeira e suas grandes fazendas próximas às margens da linha. A ferrovia foi desativada em meados da década de 60 do século passado, deixando um belíssimo acervo arquitetônico e uma riqueza cultural que não se apagaram com o tempo. Demonstra isso a existência ainda hoje da Associação dos ex-Bahia e Minas, que trabalham em prol do resgate da sua memória.

Marca da região é a exploração das pedras preciosas e semi-preciosas, fazendo de Teófilo Otoni um dos grandes centros mundiais na exploração e comércio deste produto.

Porém, riqueza maior foi a população que ocupou a região. A começar pelos nativos. Último reduto dos chamados “botocudos” no sudeste, aqui habitavam os Urucus, Aranãs, Nak-nanuks, Pojichás, Poté, Ta-monhec, dentre outros. Antes da metade do século XX já haviam desaparecido pela violência ou pela catequização. Em Itambacuri, cidade surgida por um aldeamento capuchinho, os padres guardam inúmeros objetos e documentos destes índios. Já foram encontrados diversos sítios arqueológicos destes grupos na região. A partir do século XIX, a ocupação foi feita inicialmente pela população do norte mineiro, incentivada pela Companhia do Mucuri, que vinha acompanhada de escravos. Sendo insuficiente, foi preciso trazer chineses para construção da estrada Santa Clara. Em 1856, centenas de imigrantes europeus (prussianos, holandeses, franceses, etc) também por aqui chegaram, trazidos pela Companhia de Teófilo B. Ottoni, com a promessa de uma vida melhor. No final do século XIX, início do século XX, chegaram os sírios-libaneses, população árabe cristã, perseguidos pelos turcos otomanos. Botocudos, mineiros, escravos africanos ou crioulos, chineses, europeus das mais diversas regiões do velho mundo, sírios, libaneses: cada grupo deixou seu tempero neste caldeirão cultural fabuloso que é o Mucuri.

Esta heterogeneidade concentrada em um espaço regional foi capaz de construir uma cultura muito particularizada. Se os baianos nos chamam de mineiros e os mineiros do sul nos chamam de baianos é porque não somos nem um nem outro. Somos uma cultura única, que produziu seu linguajar próprio, sua culinária própria, enfim, um jeito exclusivo de produzir coisas e perceber o mundo.

Criar um museu é um grande passo para institucionalizar estas manifestações culturais.

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